Essa Tal Liberdade

20/01/2022

Eu e meu marido costumamos conversar, principalmente quando o assunto é política. Mesmo eu gostando de filosofia e ele de "Acidentes Aéreos", acabo totalmente envolvida nos argumentos práticos dele. O problema é que, quase nunca, ele se envolve nas minhas viagens filosóficas e a gente acaba se engalfinhando. Quem nunca? rs

Outro dia falávamos sobre o tal do livre arbítrio. Eu sabia que ele daria respostas curtas e objetivas, como um bom ocidental professor de engenharia. Quando perguntei por que tinha comprado doce de leite com nozes para sobremesa, ele respondeu: porque as pessoas acham nozes chique!

Mas ele é categórico: somos livres para fazer nossas escolhas e responder pelos seus atos, o que os religiosos chamam de livre arbítrio. Aí eu cutuco, e tento dizer que: como podemos ser livres, inseridos desde a concepção, em um sistema político, social e cultural, onde escolhas são feitas a partir de um leque intencionado e limitado?

Treta!

Continuamos a conversa, agora mais acalorada, pois ele continuou defendendo que todos possuímos o tal do livre arbítrio e eu dizendo que considero a liberdade de escolhas uma utopia. Porém, não posso discordar totalmente do meu marido. Há de fato algum tipo de liberdade, a programada e a disciplinada.

A liberdade programada é aquela em que nossas escolhas são feitas a partir de escolhas anteriores e independentes de nós, que está ligada ao meio em que nascemos e crescemos. Ou seja, escolhas influenciadas sem qualquer compromisso individual.

Como é o caso do peso decisivo da cultura em uma sociedade: Na Escócia, homens vestem saias. Em algumas áreas da Nigéria, a poligamia é uma prática comum e um homem pode ter até quatro esposas. Na Índia, o branco é a cor da morte e do luto usada em cerimônias fúnebres por homens e mulheres. Na cultura indígena, a religião é o culto aos elementos da natureza, como o Sol, a Lua e as florestas, considerado um pecado mortal para os cristãos.

Visto isso, existe também a liberdade disciplinada, e dessa eu gosto mais. Dentro da literatura védica*, o berço da YOGA, só é possível alcançar a liberdade a partir da autodisciplina e controle dos sentidos.

O autoconhecimento é o único caminho para a liberdade, pois, pelo viés da YOGA, precisamos de um grau muito avançado de desprendimento, desapego e consciência do próprio ser para fazer as escolhas de forma livre. E quanto maior a disciplina, mais livres nos tornamos.

Muitas vezes olhamos para a disciplina como algo dolorosamente imposta. Mas, ao contrário disto, a disciplina nos leva a liberdade dos sentidos, que são lobos na pele de cordeiro. Sabe aquela preguiça de acordar cedo, aquele desejo incontrolável por doces ou aquela fantasia sexual? Esses são os seus sentidos mandando e desmandando nas suas escolhas diárias e te mantendo refém de si mesmo.

A disciplina fortalece o ser, os sentidos sussurram no seu ouvido "só mais 10 minutinhos", "um pedacinho só não mata", "mas todo mundo faz, então eu também posso".

Quando eu escolhi escrever sobre este assunto, estava me baseando em um conhecimento limitado, de uma cultura ocidental, de uma situação social confortável e pelo meu interesse pela filosofia. E o que tem de livre na minha escolha? Acho que nem a fonte desse texto, já que ela era a opção gratuita. Se tivesse nascido na China, talvez estaria agora trabalhando na produção de capinhas para celular.

Enfim, acaso eu até acredite nessa tal liberdade, remotamente, mas estou certa de que só é possível acessá-la através da disciplina e de um olhar crítico, holístico e panorâmico sobre si, ou seja, só mesmo sendo um Buda.


E se livre arbítrio significa dar ao homem a liberdade de escolha entre o caminho do bem ou do mal, é preciso, antes de tudo, saber o que o bem e o mal representam. Caso contrário, esta seria uma armadilha para pegar desavisados, como é o caso de qualquer mortal na Terra.



*A literatura védica é constituída de escrituras sagradas, escritas há mais de 5 mil anos.


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